ESPALUNGUE – ESPIUNCA
Os primeiros vestígios de ocupação humana estão reflectidos nos Pirenéus, onde as cavernas são muito numerosas ao longo da borda da pedra calcária e onde os homens há milhares de anos eram caçadores de renas, pescadores e escultores (fragmentos de osso ou chifre, figuras de animais, peixes, plantas, enfeites). São as grutas de Espalungue, perto de Lourdes, em França.
A conquista da Aquitânia pelos romanos (onde se situa Espalungue) e a consequente romanização envolveu a construção de vias de comunicação que ligavam esta terra de França aos itinerários existentes em Portugal, onde se vieram instalar muitos romanos.
Foi assim na freguesia de Espiunca, onde foram encontradas sete inscrições funerárias que, D. Domingos de Pinho Brandão datou como sendo do século IV ou V, D.C. Sete inscrições funerárias não são índice de um vícus (pequeno povoado), mas constituem um poderoso argumento a favor da sua existência. Estas sete inscrições provam a existência dos romanos nesta freguesia.
Nessa época as populações locais tinham de viver à maneira dos Romanos. Tal situação aconteceu, porque este povo invadiu a Península e aqui exerceu a sua influência durante cerca de oito séculos.
E a sua presença foi tão marcante que, ainda hoje, podemos encontrar muitos vestígios da sua presença. Até mesmo nos nomes que deram às terras por onde passaram. O que pode ter acontecido com Espiunca.
Em abono desta teoria, surge um texto de Pedro de Azevedo publicado num Boletim da Academia de Ciências de Lisboa (Coimbra – Imprensa da Universidade - 1915), que refere alguns nomes do departamento dos Baixos Pirenéus que têm correspondência em Portugal.
No Dictionnaire Topographique du Département des Basses Pyrenées, datado de 1863, de que é autor Paul Raymond, foram encontradas flagrantes analogias entre aqueles nomes e outros portugueses. Assim encontramos, entre outros, Espalungue, (em português Espiunca), Laurigna (Lourinhã), Leza (rio Leça), Peyrelongue (em português Peralonga, hoje Penhalonga, em Sintra).
Serve esta introdução para referir que Espalungue deu origem ao nome de Espiunca. A imagem abaixo de Espalungue sugere a Espiunca.
A FREGUESIA DE ESPIUNCA (S. MARTINHO DE ESPIUNCA)
Espiunca fazia parte do Itinerário Braga-Mérida, um dos itinerários que tentam fixar no mapa de Portugal os pontos de passagem das vias romanas, em que para além da evidência arqueológica, existe uma cópia medieval do Itinerário de Antonino ou Itinerarium Antonini Augusti, originalmente escrito no séc. III, indicando as estações de paragem ao longo da via e respectivas distâncias.
A dita estrada fazia a travessia do rio Douro em Entre-os-Rios (foz do rio Tâmega) e passava por Castelo de Paiva (necrópoles romanas em Folgoso/Picoto na Raiva, em Cruz da Carreira, Sobrado, em Valbeirô e Campo da Torre, Sta. Maria de Sardoura e já no concelho de Arouca em Alvariça, Espiunca). Depois fazia-se a eventual ligação a Fermedo onde entroncava na via Porto-Viseu ou continuação para Viseu pelo vale do rio Paiva.
Séculos mais tarde, o território ANEGIA (organização administrativa e militar do curso terminal do Douro (Séc. IX-XII)), era uma fundação dos primeiros anos do reinado de D. Afonso III das Astúrias e que data do ano de 870. A sua criação é globalmente contemporânea das presúrias de Portocale (868), Coimbra (878) e dos primeiros sinais de alguma dinâmica populacional na área por ele ocupada, nomeadamente nos actuais concelhos de Cinfães (870 e 874), Penafiel (875), Marco de Canaveses (882), “Castelo” de Paiva (883) e Arouca (idem).
Para os historiadores Henrique da Gama Barros, Torquato de Sousa Soares, Amorim Girão e Paulo Merêa, o elemento estruturante de todo o corredor de ANEGIA era uma importante via, de origem romana, que provinha de Arouca, atravessava o Paiva na zona de Espiunca, percorria o vale deste rio na sua margem leste e ia atravessar o Douro na foz do rio Paiva, em direcção à várzea do Douro e depois Alpendurada.
Com a reconquista e a administração das terras pela coroa portuguesa, a freguesia de Espiunca começou por pertencer às Terras do Paiva (Concelho de Castelo de Paiva e Comarca de Barcelos), onde no foral deste concelho, dado por El Rei D. Manuel no dia primeiro de Dezembro de 1513, estão já referenciados os seus direitos e obrigações.
Segue-se posteriormente a passagem da freguesia de Espiunca para o concelho de Alvarenga, possivelmente em meados do século XVIII. Quando o concelho de Alvarenga foi suprimido a 26 de Outubro de 1836, por decreto de D. Pedro V (passando a vila e posteriormente à categoria de aldeia), a freguesia de Espiunca passou a ser freguesia do Concelho de Arouca, situação que permanece inalterável até hoje.
A nível religioso, a freguesia de Espiunca esteve durante vários séculos ligada ao bispado de Lamego, através do Convento de Alvarenga. Todo o Concelho de Alvarenga pertenceu assim à diocese de Lamego, bem como o antigo Concelho de Arouca, mas através da convenção de 1882, o rio Paiva divide as duas dioceses de Porto e Lamego, ficando a Diocese de Lamego com Alvarenga e a Diocese do Porto com Espiunca.
Da actual freguesia de Espiunca constam os lugares de Espiunca, Lugar D' Além, Alvariça, Arriais, Carvalha, Carvalhal, Cavadas. Melres, Pardelhas, Ponte do Rego. Rego, Quinta, S. Guilhufe, Sarabigões, Serquidelo, Vide, Vila Cova e Vila Viçosa.
A IGREJA DE ESPIUNCA
A igreja de Espiunca (Arouca) foi concedida ao mosteiro de Arouca pelo bispo D. Crescónio de Coimbra em 1094 (DC, n.º 811; Mattoso, 2002). Em 1108, o conde D. Henrique e D. Teresa doaram-na ao Presbítero e Monge D. Telo e aos seus sucessores, que devia obedecer ao bispo de Coimbra (que então abrangia o bispado de Lamego), nessa data, D. Maurício (DMP, DR, n.º 13; Coelho, 1977; Mattoso, 2002).
Em 1117, o Arcediago e Monge D. Telo fez a doação da igreja de Espiunca, com a terra que dela dependia, ao mosteiro de Pendorada (Alpendurada) (DMP, DP IV, n.º 35; Mattoso, 2002). O documento refere os limites da terra doada: … pelos seus lugares antigos pelos quais (D. Henrique e D. Teresa) ma delimitaram por escritura, renovada no concílio de Guimarães. São estes os limites: da portela dos Paus, pela estrada antiga até à Mó, e, depois, da fonte de Gamarão ao Galinheiro e pelo Modurgo e pela foz de Donim. Vem depois ao nebulário de Nespereira e, a seguir, à portela de Córnias e à foz de Louredo e até (ao lugar por) onde começámos. A manutenção, na toponímia actual, da maior parte dos nomes citados permite‑nos reconstituir com bastante aproximação os limites da terra doada. O lugar de Córnias do documento de 1117 não corresponderá àquele outro que teve o mesmo nome mas hoje se chama Vila Viçosa (Fernandes & Silva, 1995).
No Instrumento da união, que D. Rodrigo de Oliveira, Bispo de Lamego, fez da Igreja de S. Martinho da Espiunca ao Mosteiro de Pendorada, em 1322, este ficava com a obrigação de apresentar Vigário idóneo aos Bispos de Lamego, para sem dúvida, ou embaraço algum ser instituo … Além de 30 livras de moeda Portugueza, devia receber o Vigário annualmente para a sua congríia sustentação, Tres modos divisos per médium, panis, saliginis, ac milii, atque vini per mensuram de Nespreira y nunc currentem: hoc modo videlicet: quod VI. quartarios panis recipiat anmiatim in Festo S. Michaelis mensis Septembris: & VI. puçalia vini anmiatim in Festo S. Martini mensis Novembris , &c. Doe. de Lamego. Erao pois os 3 Moios de partes iguaes de pão, e vinho: e sendo deste seis Puçaes, ou 30 almudes, vinhãa a fazer 60 cântaros, ou alqueires, que era metade dos trez Moios; constando cada Moio de 40 alqueires. No Censual da Sê de Lamego se declara, que hum Moio de pam são 20 alqueires, e hum Moio de vinho 20 alqueires. (Joaquim de Santa Rosa do Viterbo, Elucidário das palavras, termos e frases, que em Portugal …)
A Igreja de Espiunca incendiou-se em 1794 tendo a sua reedificação sido concluída em 1806. Apesar da intervenção do Bispado de Lamego, na pessoa do Bispo João (VIII) António Binet Pincio, a deficiente qualidade da sua construção fez a Igreja degradar-se rapidamente o que levou a que, por volta de 1945, o então pároco da freguesia de Espiunca, Padre Adriano Moreira, se visse na necessidade de construir uma nova, a Igreja actual.
O MOSTEIRO DE S. MARTINHO DE ESPIUNCA
Aquando da doação da Igreja de Espiunca, no fim do século XI, haveria também, na Espiunca, um pequeno mosteiro (Mattoso, 2002), o Mosteiro de S. Martinho da Espiunca. D. Gabriel de Sousa atribui-lhe a data de 1108 (Sousa, D. Gabriel de o. c., pág. 321).
Sabe-se que, em 1189, tinha por prioresa Elvira Mendes, que doou uma herdade a João Guilherme seu abade (confessor) e a Martinho Pirez, seu sobrinho e afilhado, a qual por morte de ambos ficaria livre ad Obdientia de Conduitaria de Pendorada (livre de todos os manjares e iguarias que se comem com pão). (Joaquim de Santa Rosa do Viterbo, Elucidário das palavras, termos e frases, que em Portugal …)
Em 1416 D. João I, e sua mulher, a rainha D. Filipa, fundam o mosteiro de religiosas franciscanas, da invocação de Santa Clara, no Porto, junto às muralhas novas (de D. Fernando) no sítio chamado Carvalhos do Monte, e próximo ao postigo do Carvalho (ou dos Carvalhos). (Francisco dos Santos – História do Porto em datas). De referir que o mosteiro de Santa Clara, do Torrão, sobre a margem esquerda do Tâmega, na sua configuração com o Douro (margem direita) e que foi fundado em 1246, deve ser considerado como o primitivo convento de Santa Clara do Porto.
O mosteiro era nos seus princípios muito menos rico; porém, no decurso dos séculos XV e XVI, foram suprimidos muitos pequenos mosteiros de religiosas franciscanas, que havia por estes sítios, indo as freiras para o mosteiro de Santa Clara, do Porto, com todas as suas rendas e propriedades, o que muito aumentou as rendas do convento. Entre os mosteiros então anexados a este de Santa Clara contam-se os de Espiunca, Mosteiro e Mosteirô (Canedo), Sardoura (Paiva) e outros mais.
No início do século XVI, mais precisamente em 1518, o rei D. Manuel I, que no ano anterior outorgara foral ao Porto, mandou construir à custa de sua fazenda, o Mosteiro de S. Bento de Avé Maria, que teve em 1535, como primeira abadessa, D. Maria de Melo, monja de Arouca.
Houve-se na memória do povo da freguesia de Espiunca que, para a construção do Mosteiro de S. Bento de Avé Maria, se utilizaram as pedras do Mosteiro de S. Martinho de Espiunca, tendo sido este, provavelmente, o motivo da sua demolição e, consequentemente, que ditou a sua extinção.
A ser verdade talvez ainda possamos encontrar algumas dessas pedras na actual igreja de Cedofeita (S. Martinho de Cedofeita) no Porto, porque na sua construção, cuja primeira pedra foi benzida em 1 de Outubro de 1899 pelo bispo D. António Barros, se utilizaram alguns materiais do extinto convento da Avé Maria, demolido para dar lugar à estação ferroviária de S. Bento.